ORANICE FRANCO, JORNALISTA, POETA POPULAR DA ERA DO RÁDIO TAMBÉM

 “AINDA ESTÁ AQUI”…

Placa instalada no centro da cidade de Lima Duarte lembra a obra de Oranice Franco

Oranice Franco é mineiro de Lima Duarte (Zona da Mata), onde nasceu em 02 de novembro de 1919. A casa onde veio à luz o poeta, na Rua José de Sales, ainda guarda uma placa na fachada onde se registra os dizeres “Confraria da Lagoa Mansa” entremeados com um triângulo vermelho. Em janeiro de 2002, na rua, seu dileto amigo Júlio Sanderson de Queiróz, comandou uma homenagem de fora da casa, onde o escritor cresceu e, com a população local e autoridades, pôde render lhe o registro reverencial de sua marcante presença no meio artístico, cultural do país, e de seu caráter admirável.

Depois, mais ao centro da cidade de Lima Duarte, na Praça da Matriz, ainda pode-se ver na parte externa de um prédio, uma outra placa com alguns de seus versos sobre a cidade (imagem acima). E, ainda, também ali estão os nomes de diletos amigos que já se foram, artistas como José Maria Mângia, José Ferreira, Júlio Sanderson e Giuseppe Guiaroni, por exemplo. Esses eram alguns dos componentes da chamada “Confraria da Lagoa Mansa”, como se intitulavam tais escritores e amigos em torno da figura e obra de Oranice. O “nosso” anjo barroco, como eles o chamavam. E daí o nome da abstrata confraria, com inspiração no título de uma de suas obras: a Lagoa Mansa. 

Nesse município imaginário, que fazia limites com São João, Ibitipoca, Lima Duarte, Baependi, Aiuruoca, Oranice compunha seus personagens, criando tipos inesquecíveis e histórias inacreditáveis.

Já na infância Oranice Franco deixou Lima Duarte, mudou-se para São João Del Rey, chegou a viver intensamente a vida cultural de Belo Horizonte, nos anos 30, se envolvendo com escritores como Murilo Rubião, Nilo Aparecido Pinto, Guilhermino César, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, João Etienne Filho e Rosário Fusco, que também viviam na capital no início da década de 40.

Começou a trabalhar como jornalista na Rádio Nacional, no Rio de Janeiro, na chamada época de ouro do rádio, produzindo textos, histórias, notícias e programas.

No dia 1º.11.1999 participou em sua casa de um jantar, com seus amigos referidos, depois disso foi deitar-se e nunca mais acordou. Faleceu, dormindo, em 02 de novembro em São João Del Rey, para onde havia retornado alguns anos.

Em dissertação de mestrado intitulada Oranice Franco: aspectos ideológicos e culturais nas fábulas do Tio Janjão, a pesquisadora Eloísa Pereira, no Programa de Mestrado em Letras, da Universidade Federal de São João Del-Rei, em 2016, pôde lembrar que Oranice Franco produziu e publicou uma extensa obra abrangendo a poesia, muitos contos, crônicas e radionovelas, “porém, com uma distribuição irregular, sua obra atingiu um público muito reduzido, o que faz dele um escritor praticamente inédito.” Hoje seus livros são encontrados apenas em sebos do país afora.

De fato, as famosas histórias do Tio Janjão, que eram contadas na Rádio Nacional, todas escritas por Oranice, fizeram a imaginação de toda uma geração, e, com o tempo, acabaram não chegando ao grande público em publicações livrescas. Atualmente, o escritor de São João Del Rey Éric Tirado Viegas, o Ponty, prossegue como curador da obra escrita de Oranice na cidade.

Com o golpe de 1964 a Rádio Nacional sofreu também um choque que iria ser o início do seu declínio, que já se manifestava em 1963, com o advento e crescimento da televisão. Oranice Franco encabeçou o Manifesto do Comando dos Trabalhadores Intelectuais, como apoio aos mesmos, em face da perseguição que sofriam os amigos Mário Lago, Paulo Gracindo, Paulo Roberto e César Ladeira, demitidos e acusados de comunistas. Na época, mais de sessenta funcionários da Rádio Nacional foram demitidos e mais de oitenta trabalhadores indiretos da rádio foram colocados sob investigação. Como lembra Nilo da Silva Lima, em outro estudo sobre a obra de Oranice, esses fatos estão “registrados no livro Vozes do golpe: a revolução dos caranguejos (2004) de Carlos Heitor Cony”. Cony refere-se a essas passagens também em seu famoso livro da época: O Fato e o Ato. Toda a imprensa carioca, a favor do movimento que gerou o golpe de 64, pedia a prisão dos signatários do manifesto “sob a acusação de fazerem parte de um esquema comunista de assalto ao poder” como assevera o mesmo Nilo em seu trabalho “o processo de criação de Oranice Franco: um estudo genético.”

 A premiação a Fernanda Torres representou um Brasil que a vale a pena (e é preciso) lembrar e do qual podemos nos orgulhar…

Na madrugada do dia 06 de janeiro de 2025, nos Estados Unidos, a atriz brasileira Fernanda Torres fez história ao ganhar o prêmio de Melhor Atriz em filme de drama, por seu papel em “Ainda Estou Aqui” no Globo de Ouro, numa cerimônia transmitida ao mundo todo. Em seu discurso de agradecimento Fernanda disse que a premiação é uma prova que a arte pode durar pela vida, até durante momentos difíceis, “como esta incrível Eunice Paiva, que eu fiz, passou”. Disse também que “a mesma coisa que está acontecendo agora, em um mundo com tanto medo”. E este filme nos ajuda a pensar em como “sobreviver em momentos duros como este.”

O conhecimento, a sensibilidade, o afeto da arte, a verdade discutida, não pode ser apagada em país que precisa tanto de conhecer a obra de seus talentos esquecidos. 

Mas há sempre acontecimentos de grande esperança. E, afinal de contas, “ainda estamos aqui” falando da obra do desconhecido Oranice Franco e da resistência da cultura e do cinema brasileiro. 

VIVA! VIVA FERNANDA TORRES!

VIVAS AO DIRETOR WALTER SALLES JR. ! 

SALVE ORANICE FRANCO!