LACUNAS

Cyro Marcos da Silva

Lacunas agora marcadas para os que deixaram pegadas, marcas, impressões, rastros. Hoje é um dia agendado para que não sejam esquecidos os nem sempre lembrados.

Dia dos terminados, simplesmente finados, naturalmente acabados, ou dia mesmo dos interrompidos, assaltados, atropelados, desastrados, afogados.

Dias dos sentimentos fortes ou apagados, ou fracos, ou daqueles semi ternos que desaguam nos cemitérios. Lá onde estão os chãos, as pedras, as plantas, marcadas agora por letras e números breves, dia de leituras por lá.

Leituras abreviadas sobre vidas curtas ou longas, mas que sempre achamos abreviadas. Memórias distorcidas, preenchidas, retorcidas, desbotadas, esmaecidas e parcialmente perdidas.

Deixo aqui, a meu modo, esta bússola enguiçada, para aqueles que, já tendo os amores perdidos, reencontrem nas malhas e espaços deste texto, seus esquecidos rumores.

Para que degustem longínquos sabores regados no azeite ou no aceite das saudades. Deixo aqui estas lembranças de pegadas de tantos, e que um dia podem até virar lembranças apenas das minhas pegadas.

O dia 02 de novembro quase sempre sabota e suborna o céu azul, para ali implantar nuvens que chuvisquem passagens ou que trovejem fúrias silenciadas aos mortos. Hoje é o dia dos silêncios com excesso de quietude, silêncios que assobiam estranhezas.

Aos mortos amados, (amor te) que trafegam na contra mão da nossa convivência, em ritmo curto ou distante, mas que de vez em quando, nas curvas nos assombram muito vivos, vivos de fortes lembranças, ofereço estas letras desidratadas, letras extraídas das mesmas jarras em que jaziam aquelas flores secas que marcaram páginas de livros lidos há muito, muito tempo.

(Finados 2023- Cyro Marcos da Silva)